Tuesday, March 01, 2005

Os Brasileiros - tempo dos herdeiros do cinema novo

Inicia-se o ciclo Os Brasileiros: Novos rumos do cinema brasileiro. Um conjunto de quatro obras cinematográficas tentaram espelhar a prerrogativa do ciclo do mês de Março que se inscreve no delinear das expressões marcantes do mais recente cinema do Brasil.

Herdeiros, em termos de popularidade e reconhecimento artístico, do movimento do Cinema Novo que marcou a filmografia brasileira até finais dos anos 70 do século XX, com grandes autores como Lima Barreto (O Cangaceiro, 1953) e Oswaldo Sampaio (Sinhá Moça, 1953) ou, para citar os da geração mais recente, Glauber Rocha (Diabo na Terra do Sol, 1964) Ruy Guerra (Os Fuzis, 1964) e Cacá Diegues (A Grande Cidade,1966). Todos eles premiados nos certames mais importantes do cinema e cujo último suspiro terá sido Pixote (1981), obra emblemática do universo cinematográfico brasileiro, marcando a transição do modelo formal e estético do cinema brasileiro e cuja direcção pertence a um dos realizadores aqui representado, Hector Babenco.

Se é verdade que o Cinema Novo, expressão do neo-realismo sul-americano teve como alicerce o cinema independente ou cinema de autor, livre de modelos e da finança imposta pela indústria cinematográfica, muito marcado pela inspiração, é também verdade que essa capacidade criativa incidia em grande parte naquilo que foi designado como estética da fome, violência e sonho, com um cunho fortemente politizado e de sublimação da figura do anti-herói.

A filmografia contemporânea brasileira, bem explorada neste ciclo, remete-nos para um cinema, tal como anteriormente, colado ao espectro social retratando o Brasil nas suas conhecidas contradições vivenciais. No entanto, quer na tensão social e comportamental de A Cidade de Deus de Fernando Meirelles e Carandiru de Hector Babenco ou na violência e sonho de Abril Despedaçado de Walter Salles, dos filmes aqui selecionados talvez o mais ligado à herança do cinema novo, e até mesmo no caso da comédia Deus é Brasileiro dirigida por Carlos Diegues, dirigida num formato muito próximo do televisivo, todos eles trazem consigo, cada um a seu modo, uma interrogação sobre o país e um grau de sofisticação e invenção que colocam a produção contemporânea brasileira num outro patamar.

Em relação ao passado, denota-se à partida uma revolução de suporte, na qual a película, o digital e o vídeo se tornam complementares. O novo rumo do cinema brasileiro parece encontrar uma solução de conformidade entre estética e narrativa, aliando mesmo técnicas como as experimentadas da publicidade e do videoclip ao serviço de uma lente competente e de personalidade. Denota-se a exploração, até exacerbada, de uma cinematografia cheia de luz e cor que culmina naquilo que alguma crítica mais aguada nomeou de cosmética da fome e violência.

Os filmes seleccionados neste ciclo espelham assim a trajectória actual do cinema brasileiro cuja proeminência intelectual é hoje reflexo de óptimas obras, como as quatro aqui incluídas, que apesar de não renegarem o passado herdado no cinema novo de Barreto e Rocha privilegia agora a produção pautada pela violência sensorial, pelo requinte visual e pela velocidade das cenas, recorrendo a texturas ásperas e à estética crua para retratar as histórias de vida do Brasil.

a. g.

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