Wednesday, April 27, 2005

Antes do Amanhecer – Um certo romantismo

Antes do Amanhecer
Before Sunrise
Realização: Richard Linklater
Intérpretes: Julie Delpy, Etham Hawke
EUA/Áustria, 1995

Richard Linklater surpreendeu tudo e todos quando em 1995 apresentou ao mundo o belo e sensível Antes do Amanhecer. Uma obra bem diferente das suas duas anteriores. Convém ressalvar que a surpresa não residia na qualidade cinematográfica, já expressa pela crítica em Slaker (1991) e Dazzed and Confused (1993), mas antes pelo estilo que Linklater impôs à sua terceira obra, agora marcadamente romântica. Emergia com este filme um certo romantismo intimista que se julgava perdido na mais recente cinematografia americana (se exceptuarmos aqui Woody Allen). O filme ajudaria mesmo Linklater a aquecer o coração, por vezes, frio de Berlim ao conquistar o Urso de Prata para o prémio de melhor realizador.

Apesar de se integrar no rol de histórias de 24 horas (24 h storie movies), uma fórmula utilizada por Linklater na maior parte das suas obras, a orientação desta última é de sentido quase inverso às anteriores. Se bem que as primeiras se posicionavam na análise caricatural de uma juventude americana herdeira da década de 70 e 80 (Dazzed and Confused assume-se como a resposta de Linklater a American Graffiti de George Lucas), revelando um sentido crítico corrosivo e excessivo, em Antes do Amanhecer encontramos uma aproximação bastante diferente onde a perspectiva do realizador dá lugar a uma visão bem mais realista e credível das relações humanas.

À primeira vista estamos perante um salto de amadurecimento no que toca à concepção da sua filmografia. No entanto, o que surpreende ainda mais é o facto de Linklater não ter dado seguimento, de imediato, a esta linha de orientação. Nos projectos posteriores verifica-se um regresso ao registo dos seus dois primeiros filmes: as duas comédias frívolas que se seguiriam, Suburbia (1997) e School of Rock (2001), são bem exemplo disto. Mais pela força das circunstâncias do que pelo percurso natural do desenvolvimento da sua cinematografia, Linklater só voltará mais tarde a utilizar este mesmo padrão.

A condição de filme de culto que entretanto Antes do Amanhecer adquirira obriga em 2004 a uma sequela do mesmo com Before Sunset – Antes do Anoitecer. Foi assim preciso esperar pela continuação da história original de Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) para vermos Linklater manusear de novo um estilo onde se constata que domina com segurança mas que parece não ser uma linha de continuidade (isto confirma-se com o seu mais recente filme The Bad News Bears de 2005, um regresso à comédia ligeira e livre muito ao género de School of Rock).

Assim sendo, em Antes do Amanhecer, talvez a sua obra mais profunda, estamos perante uma das melhores comédias românticas do cinema dos últimos anos. Um dos seus maiores trunfos reside na contribuição dos dois actores principais, Ethan Hawke e Julie Delpy, cuja interpretação os ligará para sempre à história do cinema. Da sua imensa habilidade no domínio da construção destas duas personagens e mestria na condução da magnífica sequência de diálogos inscreve-se a grande força deste filme. Hawke e Delpy encaixam na perfeição numa película sem efeitos ilusórios onde o único elemento acessório é a beleza da cidade de Viena – no tratamento dado por Linklater, esta cidade afirma-se como personagem autónoma que ao longo do filme vai ganhando vida própria, tornando-se mutante de novas formas e novos sentidos. Linklater tem assim o condão de nos oferecer com esta bela obra um certo romantismo que muitas vezes parece arredio e até esquecido não só do “nosso” cinema mas também das nossas vidas. O filme chega a roçar os limites da simplicidade...duas personagens, um passeio, um grande filme.

“Jesse: Tenho uma ideia assumidamente louca, mas se não te perguntar isto vai perseguir-me o resto da vida.
Celine: O quê?
Jesse: Eu quero continuar a falar contigo. Não sei qual é a tua situação, mas... Mas sinto que temos algum tipo de ligação. Certo?
Celine: Sim, eu também. Sim, certo.
Jesse: Óptimo. Eis o que devíamos fazer. Devias sair comigo aqui em Viena, e vir conhecer a capital.
Celine: O quê?
Jesse: Vá lá. Vai ser divertido. Vá lá.
Celine: O que faríamos?
Jesse: Não sei. Só sei que tenho que apanhar um voo da Austrian Airlines amanhã de manhã às 9:30. E não tenho dinheiro para um hotel, por isso ia apenas passear, e seria bem mais divertido se viesses comigo. E se eu for algum tipo de psicopata, basta que entres no próximo comboio.
Celine: …
Jesse: Está bem, está bem. Pensa nisto assim: avança dez, vinte anos, e estás casada. Só que o teu casamento não tem aquela energia que costumava ter. Começas a culpar o teu marido. Começas a pensar em todos os homens que conheceste na tua vida, e o que poderia ter acontecido se tivesses escolhido um deles, certo?
Bem, eu sou um desses tipos. Pensa nisto como uma viagem no tempo, de lá até agora, para descobrires o que perdeste, o que isto poderia ter sido.
É um favor gigante a ti e ao teu futuro marido, para descobrires se não perdeste nada. Sou tão falhado como ele, desmotivado, enfadonho, e nesse caso fizeste a escolha certa e és realmente feliz.
Celine: Vou buscar a minha mala.”
Aconselhamos: Antes do Anoitecer - Before Sunset de Richard Linklater

Wednesday, April 20, 2005

TR13ZE – No limiar da idade maior!

Treze — Inocência Perdida
(Thirteen)
Realização: Catherine Hardwicke
Intérpretes: Evan Rachel Wood, Nikki Reed, Holly Hunter, Jeremy Sisto, Brady Corbet, Deborah Unger, Kip Pardue
EUA/Grã-Bretanha, 2003

Quando é que se deixa de ser criança e passamos à idade maior? Parece ser a questão que paira no ar do filme de estreia como realizadora de Catherine Hardwicke. O tema da juventude “problemática” começa a ser recorrente no cinema norte-americano, tornando-se nesta última década um estilo perfeitamente assumido, com uma proliferação anual de obras importante, sobretudo no seio de um certo cinema que se gosta de intitular como independente (não deixa de ser interessante verificar que nos últimos anos os prémios mais importantes do cinema independente americano, como o Sundance Award ou o Independent Spirit Award, tenham recaído em obras que tratam, de uma maneira ou de outra, este tema).

De tal maneira é assim, que este tipo de filmografia possui já os seus próprios consignatários: desde o reputado e galardoado Gus Van Sant (Gerry, Good Will Hunting e Elephant), ao polémico e duro Larry Clark (Kids, Ken Park e Bully), sem esquecer Richard Kelly (Donnie Darko) ou Scott Kalvert (Basketball Diaries e Deuce Wild). Todos eles, cada um à sua maneira, se têm empenhado no fabrico de filmes de culto tendo como base esta temática. Faltam-nos ainda os próximos filmes de Hardwicke para confirmarmos se também ela se posicionará definitivamente neste patamar da produção cinematográfica norte-americana. De qualquer maneira, Treze inscreve-se neste rol. Por muito que se tente evitar a comparação, o filme não deixa de nos transmitir a sensação de que se trata de uma aproximação clean (limpinha) do universo tão bem explorado até às suas últimas consequências e sem condescendência por Larry Clark nas suas obras: ou seja, o retracto de uma adolescência à beira do abismo, em rota de colisão.

Apesar de deixar de lado a lente obscura, como acontece em Clark, e optar antes por um registo de cores fortes e de fontes luminosas (aqui Sunset Boulevard torna-se o cenário ideal pare este filme), a realizadora utiliza todas as outras técnicas recorrentes neste tipo de cinematografia: como o uso da câmara tremula e nervosa (recorrendo, até ao máximo das suas possibilidades, da objectiva manual); a incursão aqui e ali de momentos cuidadosamente preparados do ponto de vista da imagem fotográfica; o ritmo acelerado da composição e transposição das cenas na montagem do filme e finalmente o trabalho de actores suportado na expressão e performance de talentos jovens e desconhecidos.

Paralelismos à parte, Treze é um bom filme. Situa-se num universo em que o essencial passa por uma visão crua da adolescência e, mais do que isso, pela desagregação da relação familiar tradicional. Uma obra surpreendentemente intimista. Para este facto, muito terá contribuído Nikki Reed, uma das interpretes principais do filme cuja participação na escrita do argumento, muito baseada na sua visão autobiográfica, se demonstra aqui decisiva. Sem dúvida que Nikki Reed, com treze anos na altura da produção do filme, providencia uma série de detalhes e nuances que Hardwicke teria alguma dificuldade em compor sozinha de forma tão fidedigna. Por outro lado, uma das grandes bases do filme é, indubitavelmente, a magnífica representação da bela Evan Rachel Wood, impondo-se de forma muito intensa e segura ao longo de todo a sua interpretação como protagonista principal. É ela que confere todo o sentido dramático ao filme. O futuro ditará se estaremos ou não em Treze perante o emergir de uma grande estrela de cinema. A sua interpretação de uma adolescente de 13 anos chamada Tracy descobrindo um mundo completamente novo e sedutor repleto de drogas, sexo e divertimento, sem preocupações, quando inicia uma amizade com a sedutora e problemática Evie Zamora (Nikki Reed) é aqui simplesmente genial e não tenhamos ilusões, a maior parte da força do filme passa por ela. Em termos de casting é inevitável sublinhar o desempenho de Holly Hunter, uma actriz que impõe sempre um registo de elevado nível às suas prestações no grande écran. O seu papel de uma mãe a tentar conciliar o inconciliável no seio de uma família desmembrada da sua estrutura tradicional seria mesmo reconhecido pela academia americana ao nomeá-la para o Oscar de 2002. Holly Hunter estabelece, juntamente com Nikki Reed e Evan Rachel Wood, um triângulo perfeito na composição das personagens motoras do filme. Estamos assim, perante uma obra sem o pretenciosismo artie (artístico) que muitas vezes se aponta ao cinema que trata o tema da adolescência e juventude “problemática” mas que antes suporta toda a sua energia na qualidade das interpretações baseada numa concepção simples do guião e realista das personagens. Quem sabe, a melhor maneira de compreendermos uma certa cultura kinky e kitsh que parece contagiar esta geração que usa o piercing e a parafernália endomentária não só como meio de sedução mas igualmente de afirmação e desafio em relação a um mundo que tudo dá mas que também tudo tira.
Uma nota sobre Catherine Hardwicke
Hardwicke tem um longo trajecto na área da cenografia incluindo títulos recentes como Three Kings ou Vanilla Sky. Entretanto, ainda este ano, deverá estrear como realizadora Lords of Dogtown, projecto cuja direcção chegou a estar entregue a David Fincher (manteve-se ainda assim na produção). Quanto a Treze, o seu primeiro trabalho de realização, é um magnífico exercício de cinema, puro e intransigentemente realista. A obra desencadeou uma curiosa polémica quando se atribuiu uma classificação que interditava o filme aos espectadores com treze anos: recebeu o certificado "R" (interdição a menores de 17 anos). Por cá, ocorreria uma situação insólita semelhante, com o filme a ser classificado para maiores de 16 anos. Catherine Hardwicke tem ainda a particularidade de ser uma das mais recente representantes femininas no universo, ainda muito masculinizado, de directores de cinema de Hollywood.

Tuesday, April 12, 2005

Um filme no limbo das emoções

A vida não é um sonho
(Requiem for a dream)
Realização: Darren Aronofsky
Interpretação: Ellen Burstyn, Jared Leto, Jennifer Connelly
EUA, 2000

Darren Aronofsky provocou sensação em Holywood ao colocar um filme, totalmente independente e de linguagem fora dos requisitos mais convencionais, na senda dos Oscares de 2000 através da nomeação da magnífica prestação da actriz Ellen Burstyn. Houve quem viesse a terreiro afirmar que era a própria Ellen Burstyn, uma actriz prestigiada e respeitada há muito tempo no meio feroz de Holywood (sobretudo desde que ganhara o Oscar em 1974 com Alice Já Não Mora Aqui), quem tinha literalmente empurrado o filme e o seu jovem realizador para este patamar. Mas na verdade, um olhar atento e audaz verifica que não. O filme tem a marca indelével do seu autor. Num certo sentido, como a própria crítica da especialidade acabaria por reconhecer, a própria Ellen Burstyn acabaria por sucumbir ao instinto forte e violento da lente de Aronovsky, atirando-a para uma representação nos limites das suas próprias forças performativas. Talvez por isso, receberia o selo do American Film Institute como um dos 10 do ano.

No entanto, o reconhecimento público não seria assim tão pacífico. Uma boa parte dos media criticaria ferozmente o filme. A CNN, esse gigante global da informação televisiva, chega mesmo a recomendar o não visionamento do filme justificando que o jovem realizador se tinha emaranhado em clichés retóricos sobre a dependência e sobretudo tinha-se deixado levar pelo exagero melodramático e deslumbramento do poder das imagens que ele próprio criara. Não será de estranhar que este Requiem tenha uma melodia visual e conceptual dissonante em relação aos meios situacionistas da sociedade americana. A película transporta consigo uma análise amarga sobre os efeitos nefastos dos media na mente humana, em especial a televisão, no cumprimento de um dos maiores sonhos americanos: a fama (traço evidente na composição da personagem interpretada por Burstyn). Aronofsky tinha conseguido manter-se independente e esse facto já era uma conquista importante.

Torna-se lógico que uma boa parte do peso da polémica sobre o filme reside no próprio tema da dependência. Há quem diga: queres ser polémico? É fácil! Faz uma obra sobre a dependência da droga. Um dos grandes tabus, desde sempre, da América. Mas o filme não se resume a isso. É verdade que tem como base a obra de Hubert Selby Jr, um dos grandes gurus da literatura junkie americana actual, na linha de outros grandes nomes de sempre do género cujas vidas e obras deram no passado momentos cinematográficos significativos: t.c. na ficção científica de Philip K. Dick (Blade Runner e Minoraty Report), no mundo surreal de Hunter S. Thompson (Fear and Loathing in Las Vegas), na perspectiva neo-realista e amargurada de Jim Carrol (Basketball Diaries), isto já para não falar do mais emblemático de todos, o hiper-realista William Burroughs (Drugstore Cowboy e Naked Lunch). É verdade também que o próprio Selby Jr assumiria a escrita do argumento com Aronofsky, acompanhando par e passo o filme e até participando como actor numa pequena cena final (ele é um dos guardas da prisão). No entanto, neste filme verifica-se um profundo cunho pessoal detectável na intensa malha visual e impressionista que o olho clínico de Aronofsky aplica ao filme. A composição dos personagens é muito forte através da explanação dos diálogos de Selby Jr mas que somente ganha força com o enquadramento brilhante de Aronofsky. Aqui convém realçar que não sobressai somente Burstyn, contamos igualmente com os desempenhos seguros de Jared Leto, Jennifer Conely e Marlon Wayans. Aronofsky provava agora, com mais meios é certo, que o reconhecimento artístico do seu primeiro trabalho (Pi), que lhe valera o prémio de Sundance em 1998, não tinha sido em vão. A estética do filme, cuja fotografia de Matthew J. Labique seria premiada, é reconhecidamente influenciada, em momentos pontuais, na de Laranja Mecânica de Kubrick mas esta constatação não será mais do que um sentido tributo de um jovem artista a uma estética visual que começa a ganhar seguidores nos realizadores americanos (uma via que se iniciou através do decano Oliver Stone em Assassinos Natos e que tem como um dos mais recentes exemplos Spun de Akerlund, 2003). É sabido, que este filme é tudo menos concensual. Uma obra que se encerra nas teias da sua própria ambivalência estética e conceptual. Um filme, tal como os seus personagens, no limbo das emoções.

Uma nota sobre Darren Aronofsky
A Vida Não é Um Sonho, trata-se do segundo filme de um dos mais promissores realizadores norte-americanos: Darren Aronofsky. A sua estreia nas longas metragens deu-se com Pi em 1998 valendo-lhe na altura o mais prestigiado prémio do cinema independente americano, o Sundance Festival Award. Pi seria então filmado somente com 60 000 dólares emprestados à família e amigos. Aronofsky gosta de se designar a ele próprio como “ a Brooklyn hip-hop kid”, um puto de rua, marcado pela herança familiar judaica, e cujo passatempo favorito era dividir o seu tempo entre a pintura de graffitis nas estações do metro de Nova-York e as filmagens na Times Square. Mais tarde aluno de Harvard, receberia o reconhecimento internacional com a sua tese final sobre cinema, ganhando mesmo uma bolsa do American Film Institute. Provando-se que dificilmente um realizador na América, por muito independente que seja, se consegue manter fora dos grandes cenários, Aronofsky esteve (ou estará) envolvido recentemente em dois mega projectos holywoodescos como realizador e produtor: em Ronin, a adaptação de uma história da banda-desenhada de Frank Miller (com Robert de Niro à cabeça) e em Batman Day One, um dos mais aguardados blockbusters que tem já a participação confirmada de Eminem e que só recentemente encontraria Christian Bale para a interpretação de Bruce Wayne. Os dois projectos estão encalhados com problemas de produção e não se confirma a sua manutenção em ambos. Pelo meio, aguarda-se a estreia para este ano do seu próximo filme The Fountain com dois dos seus actores favoritos, Ellen Burstyn e Sean Guillete, mas que terá Hugh Jackman e Rachel Weisz nos principais papeis. Um filme de ficção-científica cujo tratamento cinematográfico se prevê mais consentâneo com aquilo que foram as suas duas primeiras obras.

Monday, April 04, 2005

MARLON BRANDO [1924-2004] – O Primeiro dos Jovens Rebeldes

No mês de Abril comemora-se o nascimento de Marlon Brando, para muitos, o maior e mais influente actor americano da sua geração. Nascido a 3 de Abril de 1924, protagonizou ao longo dos seus 80 anos de vida, tanto na vida real como na tela, um papel completamente fora das malhas do círculo convencional. A sua personalidade particularmente rebelde manifestou-se bem cedo quando ainda adolescente foi expulso da escola militar.
Se atendermos à história do cinema de Holywood não será exagerado designar Brando como o primeiro exemplo de uma estirpe de rebeldia representada no celulóide. Mesmo antes de James Dean (que somente se revela com estas características em 1955, quatro anos após Brando) ele terá sido o primeiro dos jovens rebeldes do cinema americano.
Nos anos 50, época que impulsiona este estilo, Brando surge assim como o seu primeiro ícone. Como protagonista, não tem códigos de honra e actua à flor da pele. Segue somente os seus instintos. Este carácter está bem vincado em papeis como o de Stanley Kowalski de Um Eléctrico Chamado Desejo (1951), explorado até ao tutano no de Johnny de O Selvagem (1953) e manuseado refinadamente no de Terry Malloy de Há Lodo no Cais (1953). Até mesmo em Viva Zapata (1952) facilmente se descortina a raiva juvenil na sua composição da postura revolucionária do fora da lei mexicano. Brando tornara-se então a expressão do anti-social. Tornara-se o próprio símbolo da juventude porque lhe transmitia a força necessária para combater uma sociedade desajustada ao seu ritmo. Não deixa de ser irónico que o último suspiro deste elan performativo culmine que um filme dirigido por ele próprio, após a renúncia de Stanley Kubrick: Cinco Anos Depois (1961).

A sua presença no grande écran, por esta altura, impõe-se através de um conjunto de conceitos novos e simples: as suas personificações no écran são jovens, livres, inteligentes e duras. De acessos de humor arrogante, de andar deambulante entre a atitude ora agressiva ora infantil dos personagens, Brando sintetiza uma postura que se vai assumindo como muito americana. Esta postura social viria a ter outros contornos na cultura americana, como por exemplo na literatura, com o eclodir da Geração Beat cuja obra Pela Estrada Fora de Jack Kerouac (de lembrar que foi escrita em 1951 ainda que somente publicada posteriormente em 1957) já identificava esta nova ânsia juvenil americana. A figura do Tough Boy anti-herói que tão bem se encontra interpretada por Brando em O Selvagem é herdeira de um estilo já exteriorizado previamente nos westerns de Ford (com John Wayne a assumir esse papel de líder solitário) ou nos filmes de gangster como Scarface de Howard Hawks (1932). Simplesmente com ele tratou-se de artisticamente transpô-la para o plano estritamente intimista e humanista.
Descrevemos aqui no fundo o Marlon Brando que acabara de se tornar estrela, cuja energia abundante viria a contagiar toda uma geração de actores no futuro (desde de Niro a Edward Norton passando por Rourke e Dillon). Uma energia que somente viria a recuperar em toda a sua plenitude nos finais de 70 com filmes como O Último Tango em Paris, Apocalipse Now ou O Padrinho.
Marlon Brando sobre O Selvagem na sua autobiografia afirma: “Surpreendeu-me que alguém de t-shirt, jeans e blusão de cabedal, de repente, pudesse simbolizar a revolta. No filme há uma cena em que alguém pergunta ao meu personagem contra o quê eu me revoltava ao qual eu respondo «o que é que tens ai para me dar»? No entanto, nenhum de nós envolvidos no filme alguma vez imaginou que tal pudesse a vir a instigar ou encorajara a revolta juvenil na América.”
a.g.

Friday, April 01, 2005

Abril | Ciclo “Gerações Controversas”

07_04:
"O selvagem" de Laslo Benedek

14_04:
"A vida não é um sonho" de Danny Aronofsky

21_04:
"13" de Cathrine Hardwick

28_04:
"Antes do amanhecer" de Richard Linklater