Thursday, March 31, 2005

SEGUNDO MÊS: BALANÇO

A 7.ª à 5.ª cumpriu o seu segundo mês de actividade na produção de ciclos de cinema em Alcobaça. Pela primeira vez, foi possível introduzir um primeiro elemento documental, em forma de folheto de sala, de contextualização do próprio ciclo que neste caso compreendeu a distribuição gratuita do texto Os brasileiros – tempo dos herdeiros do cinema novo. Esta é, aliás, uma rubrica que a 7.ª à 5.ª tem a intenção não só de manter como estimular nas próximas sessões com o objectivo último e ideal da edição de um texto por filme.

Entretanto, as pequenas falhas técnicas, sempre aborrecidas, que tinham atribulado duas das sessões do ciclo inaugural parecem finalmente ultrapassadas permitindo deste modo o estabelecimentos das condições necessárias para o incremento desta iniciativa que se pretende organizada dentro dos parâmetros de acolhimento que o público, as obras e o cinema em geral merecem.

Totalmente consagrado à mais recente filmografia brasileira, este segundo ciclo que dava início às sessões verdadeiramente temáticas, tinha como uma das principais curiosidades a constatação do índice de filiação cinéfila ao evento. Verificou-se então uma pequena variação, esperada até porque o efeito “novidade” vai-se dissipando, mas que ainda assim estabilizou num nível de afluência de público muito bom, ao preencher 157 dos 212 lugares disponíveis para as 4 sessões, o que prova que o projecto tem pernas para andar, constatando-se mesmo valores interessantes de público recorrente. Este dado é importante porque será da capacidade de congregação de um conjunto de público cinéfilo permanente que a 7.ª à 5.ª poderá desenvolver um dos seus grandes objectivos que é à interacção contínua com o público ao nível do debate e da intervenção em torno do cinema.

Contabilizou-se uma adesão crescente ao longo do mês acabando por esgotar na última sessão, como era aliás esperado, com o supra conhecido e discutido “Cidade de Deus”. Não deixa ainda assim de ser significativo que esta sessão tenha esgotado apesar de ocorrer à mesma hora e no mesmo local, ainda que em salas distintas, que um dos mais mediáticos eventos produzidos no Cine-Teatro de Alcobaça dos últimos tempos: a peça de teatro integrada na superprodução das Comemorações do Ano Inesiano “A Castro” de António Ferreira, encenada pelo Grupo Ibérico. Isto prova que a magia e a energia que a 7.ª Arte transmite é inesgotável e que um cinéfilo é sempre um cinéfilo. Assim sendo, haja sempre CINEMA em Alcobaça!

Wednesday, March 23, 2005

Cidade de Deus

Realizador: Fernando Meirelles
Intérpretes: Alexandre Rodrigues, Leandro Firmino da Hora, Seu Jorge, Matheus Nachtergaele, Phellipe Haagensen, Jonathan Haagensen, Douglas Silva, Roberta Rodrigues
Brasil, 2002

Buscapé é um rapaz pobre e muito sensível que cresceu num ambiente bastante violento. Apesar de pensar que tudo e todos estão contra ele, descobre que pode ver a vida com outros olhos: os de um artista. Acidentalmente, torna-se fotógrafo profissional, e começa a sua libertação.

Mas Buscapé não é o verdadeiro protagonista do filme: não é o único que faz a história desenrolar; não é o único que determina os acontecimentos principais. No entanto, não só a sua vida está ligada com os acontecimentos fulcrais da história, como também, é através da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente, em um mundo aparentemente condenado por uma violência infinita.

Cidade de Deus é a epopeia de uma humanidade sem disfarce – violenta, sofredora, impiedosa, surpreendentemente solidária, brutal e sanguinária!

CABELEIRA: Alô Berenice. É o seguinte, vou te mandar uma letra invocada agora. Pô mina...já viu falar em amor à primeira vista?
BERENICE: Malandro não ama, malandro só sente desejo.
CABELEIRA: Assim não dá prá conversar...
BERENICE: Malandro não conversa, malandro desenrola uma idéia.
CABELEIRA: Pô! Tudo que eu falo, tu mete a foice!
BERENICE: Malandro não fala, malandro manda uma letra!
CABELEIRA: Vou parar de gastar meu português contigo que tá foda.
BERENICE: Malandro não para, malandro dá um tempo.
CABELEIRA: Falar de amor contigo é barra pesada.
BERENICE: Que amor que nada. Tu tá é de sete-um!
CABELEIRA: É que o otário aqui te ama!

MENINO 1: O negócio é tóchico, tá ligado?
MENINO 2: Tu quer ser traficante, tem que começar de avião, morou?
MENINO 1: Essa onda de avião é roubada. Até pegar consideração para ser vapor, depois segurança e depois gerente, demora a maior etapa.
MENINO 2 : Tu vai fazer como? Tem que esperar eles morrer...
MENINO 1: Tô fora! Vou fazer como o Pequeno fez: tem que passar todo mundo e pronto!

FILÉ COM FRITAS: Meu irmão, eu fumo, eu cheiro, já roubei, já matei... Não sou criança não. Sou sujeito homem.

Tuesday, March 15, 2005

Deus é Brasileiro

Realização: Carlos Diegues
Intérpretes: António Fagundes, Wagner Moura, Paloma Duarte, Bruce Gomlevsky, Stepan Nercessian, Castrinho
Brasil, 2003

Cansado dos erros cometidos pela humanidade, Deus (António Fagundes) resolve tirar umas férias nas estrelas, a fim de descansar dos seus aborrecimentos com o ser humano. Mas, para isso, ele precisa de encontrar um santo que se ocupe dos seus deveres enquanto estiver ausente.

Resolve procurá-lo no Brasil, país tão religioso que, no entanto, nunca teve um santo reconhecido oficialmente. O guia de Deus pelo Brasil será Taoca (Wagner Moura), esperto borracheiro e pescador que vê, nesse encontro inesperado, a oportunidade de resolver os seus problemas materiais. Mais tarde, junta-se-lhes a solitária Madá, uma jovem tomada por uma grande paixão.

Do litoral de Alagoas ao interior de Tocantins, passando por Pernambuco, Taoca, Madá e Deus vivem diferentes aventuras enquanto procuram por Quinca das Mulas, o candidato de Deus a santo.

Wednesday, March 09, 2005

Abril Despedaçado

Realização: Walter Salles
Intérpretes: José Dumont, Rodrigo Santoro, Rita Assemany, Luiz Carlos Vasconcelos, Ravi Ramos Lacerda, Flávia Marco António, Everaldo Pontes, Othon Bastos
Brasil/Suíça/França, 2001

Abril 1910 - Na geografia desértica do sertão brasileiro, uma camisa manchada de sangue balança com o vento. Tonho, filho do meio da família Breves, é impelido pelo pai a vingar a morte do seu irmão mais velho, vítima de uma luta ancestral entre famílias pela posse da terra.

Se cumprir a sua missão, Tonho sabe que a sua vida ficará partida em dois : os 20 anos que ele já viveu, e o pouco tempo que lhe restará para viver. Ele será então perseguido por um membro da família rival, como dita o código da vingança da região. Angustiado pela perspectiva da morte e instigado pelo seu irmão menor, Pacu, Tonho começa a questionar a lógica da violência e da tradição. É quando dois artistas de um pequeno circo itinerante cruzam o seu caminho...

Abril Despedaçado é livremente inspirado no livro homónimo do escritor albanês Ismail Kadaré. A adaptação para o cinema foi realizada por Walter Salles, Sérgio Machado e Karim Aïnouz, e as filmagens aconteceram entre Agosto e Setembro de 2000 nas cidades de Bom Sossego, Caetité e Rio de Contas, interior da Bahia.

Como em Terra Estrangeira e Central do Brasil, Abril Despedaçado reúne no seu elenco actores profissionais e não-profissionais. Na preparação dos actores, Walter Salles contou com a colaboração do director assistente Sérgio Machado e do actor Luiz Carlos Vasconcelos. A direcção de fotografia é de Walter Carvalho e a música de António Pinto, com a colaboração de Ed Côrtes e Beto Villares, e a participação especial de Siba, do conjunto pernambucano Mestre Ambrósio.

www.abrildespedacado.com.br

Wednesday, March 02, 2005

Carandiru

Realização: Hector Babenco
Intérpretes: Luiz Carlos Vasconcelos, Milhem Cortaz, Milton Gonçalves, Ivan de Almeida, Ailton Graça, Maria Luisa Mendonça
Brasil/Argentina, 2003
“Doutor quer ouvir mais uma mentira? Aqui dentro ninguém é culpado.O senhor ainda não percebeu isso?” - Seo Chico (Milton Gonçalves)
“Na cadeia ninguém conhece a moradia da verdade.” - Lula (Dionisio Neto)
“Culpa tem remédio doutor ?” - Peixeira (Milhem Cortaz)
“Se tivesse todo mundo ia querer” - Médico (Luiz Carlos Vasconcelos)
“Aqui só existe uma coisa mais importante que a liberdade. A sobrevivência.”
História já tratada pelos Sepultura no tema "Pavilhão 9", "Carandiru", baseado no livro "Estação Carandiru" de Drauzio Varella, é o relato da experiência profunda e marcante de um médico que não podia voltar as costas à realidade.
Numa cela da Casa de Detenção de São Paulo, o popular Carandiru, dois reclusos (Lula e Peixeira) enfrentam-se num acerto de contas. O clima é tenso. Outro recluso, Nego Preto, espécie de "juíz" para desavenças internas, soluciona o caso em tempo de dar "boas-vindas" ao Médico, recém- chegado e disposto a realizar um trabalho de prevenção à SIDA na penitenciária. O Médico depara-se, no maior presídio da América Latina, com problemas gravíssimos: superlotação, instalações precárias, doenças como tuberculose, leptospirose, caquexia, além de pré-epidemia de SIDA. Os encarcerados lamentam, além da falta de assistência médica, de assistência jurídica.
O Carandiru, com seus mais de sete mil reclusos, constitui um grande desafio para o Doutor recém-chegado. Mas bastam alguns meses de convivência para que ele perceba algo que o transformará: mesmo vivendo numa situação-limite, os internos não são figuras demoníacas. No convívio com os presos que visitam o seu improvisado consultório, o Médico testemunha solidariedade, organização e, acima de tudo, grande disposição de viver.
Oncologista famoso, habituado à mais sofisticada tecnologia médica, o Doutor terá que praticar a sua medicina à moda antiga, com estetoscópio, sensibilidade e muita conversa. O trabalho começa a apresentar resultados e o Médico ganha o respeito da colectividade. Com o respeito, vêm os segredos. As consultas vão além das doenças, pois os detentos começam a narrar histórias de vida. Os encontros na enfermaria transformam-se em "janelas" para o mundo do crime.
Flash backs reconstroem estas narrativas. Zico e Deusdete, amigos inseparáveis na infância e préadolescência, conhecem destino trágico na cadeia (um, alucinado pelo consumo de crack, matará o outro).
O traficante Majestade desfila, com ginga, o seu poder pelo presídio, além de desfrutar do amor das suas duas mulheres, Dalva e Rosirene.
O velho Chico, homem sábio, cultivado na solitária, adora balões e está prestes a ganhar a liberdade e reencontrar os 18 filhos. O "juiz" Nego Preto, líder da massa carcerária, tem tantos problemas para resolver, que o Médico diagnostica seu mal: stress.
O matador Peixeira, com 39 condenações nas costas, passará por ruidosa conversão, tornando-se pastor evangélico. O surfista Ezequiel viverá, no cárcere, a sua ascensão e queda. Os amigos Antonio Carlos e Claudiomiro, assaltantes de bancos, desentender-se-ão por causa da ardilosa e perversa Dina.
O "filósofo" existencialista Sem Chance viverá um romance de contos de fadas com a divina Lady Di. O director da prisão, o Sr. Pires, pisa ovos para administrar a cadeia.
A narrativa do filme arma-se como um quebra-cabeças. Uma história encaixa-se na outra para formar um painel realista da tragédia brasileira. Com o Médico, o espectador acompanha os movimentos quotidianos dos presos, até à eclosão - em 2 de outubro de 1992 - do mais terrível abalo da história da Casa de Detenção de São Paulo (e do Brasil): o Massacre do Carandiru.

Tuesday, March 01, 2005

Os Brasileiros - tempo dos herdeiros do cinema novo

Inicia-se o ciclo Os Brasileiros: Novos rumos do cinema brasileiro. Um conjunto de quatro obras cinematográficas tentaram espelhar a prerrogativa do ciclo do mês de Março que se inscreve no delinear das expressões marcantes do mais recente cinema do Brasil.

Herdeiros, em termos de popularidade e reconhecimento artístico, do movimento do Cinema Novo que marcou a filmografia brasileira até finais dos anos 70 do século XX, com grandes autores como Lima Barreto (O Cangaceiro, 1953) e Oswaldo Sampaio (Sinhá Moça, 1953) ou, para citar os da geração mais recente, Glauber Rocha (Diabo na Terra do Sol, 1964) Ruy Guerra (Os Fuzis, 1964) e Cacá Diegues (A Grande Cidade,1966). Todos eles premiados nos certames mais importantes do cinema e cujo último suspiro terá sido Pixote (1981), obra emblemática do universo cinematográfico brasileiro, marcando a transição do modelo formal e estético do cinema brasileiro e cuja direcção pertence a um dos realizadores aqui representado, Hector Babenco.

Se é verdade que o Cinema Novo, expressão do neo-realismo sul-americano teve como alicerce o cinema independente ou cinema de autor, livre de modelos e da finança imposta pela indústria cinematográfica, muito marcado pela inspiração, é também verdade que essa capacidade criativa incidia em grande parte naquilo que foi designado como estética da fome, violência e sonho, com um cunho fortemente politizado e de sublimação da figura do anti-herói.

A filmografia contemporânea brasileira, bem explorada neste ciclo, remete-nos para um cinema, tal como anteriormente, colado ao espectro social retratando o Brasil nas suas conhecidas contradições vivenciais. No entanto, quer na tensão social e comportamental de A Cidade de Deus de Fernando Meirelles e Carandiru de Hector Babenco ou na violência e sonho de Abril Despedaçado de Walter Salles, dos filmes aqui selecionados talvez o mais ligado à herança do cinema novo, e até mesmo no caso da comédia Deus é Brasileiro dirigida por Carlos Diegues, dirigida num formato muito próximo do televisivo, todos eles trazem consigo, cada um a seu modo, uma interrogação sobre o país e um grau de sofisticação e invenção que colocam a produção contemporânea brasileira num outro patamar.

Em relação ao passado, denota-se à partida uma revolução de suporte, na qual a película, o digital e o vídeo se tornam complementares. O novo rumo do cinema brasileiro parece encontrar uma solução de conformidade entre estética e narrativa, aliando mesmo técnicas como as experimentadas da publicidade e do videoclip ao serviço de uma lente competente e de personalidade. Denota-se a exploração, até exacerbada, de uma cinematografia cheia de luz e cor que culmina naquilo que alguma crítica mais aguada nomeou de cosmética da fome e violência.

Os filmes seleccionados neste ciclo espelham assim a trajectória actual do cinema brasileiro cuja proeminência intelectual é hoje reflexo de óptimas obras, como as quatro aqui incluídas, que apesar de não renegarem o passado herdado no cinema novo de Barreto e Rocha privilegia agora a produção pautada pela violência sensorial, pelo requinte visual e pela velocidade das cenas, recorrendo a texturas ásperas e à estética crua para retratar as histórias de vida do Brasil.

a. g.

Março | Ciclo_"Os Brasileiros"

- Novos rumos do cinema brasileiro

03_03 21:30
Carandiru – Hector Babenco

10_03 21:30
Abril Despedaçado – Walter Salles

17_03 21:30
Deus é Brasileiro – Carlos Diegues

24_03 21:30
Cidade de Deus – Fernando Meirelles

4.ª sessão - ESGOTADA! O PLENO!

A 4.ª sessão, ainda de cariz experimental e última desta primeira selecção de filmes organizada pela 7.ª à 5.ª , esgotou! De facto, não podia ser melhor. A iniciativa congratula-se com o público que acorreu ao Cine-Teatro de Alcobaça tornando possível com a sua comparência assídua estabelecer o pleno: um total de 252 presenças ao longo das quatro noites de cinema.

Finalmente, e para benefício de todos, os problemas de índole técnica foram ultrapassados e o público pode divertir-se de forma confortável e aprazível.

Esta primeira selecção de filmes concluiu assim da melhor forma com a comédia agri-doce Lost in Translation – O Amor é um Lugar Estranho dirigida sob a lente sensível de Sofia Coppola. Um retrato humano sobre as relações afectivas suportadas na amizade estabelecida em redor de circunstâncias pouco comuns.

O balanço deste primeiro mês de vida dificilmente seria melhor. Este facto faz-nos crescer a expectativa quanto ao mês de Março e à introdução do primeiro ciclo “verdadeiramente” temático dedicado aos novos rumos do cinema brasileiro.

É já esta 5.ª Feira a projecção de Carandiru de Hector Babenco e com ele a confirmação ou não da adesão contínua e significativa do espírito cinéfilo de Alcobaça. Será com este primeiro ciclo Os Brasileiros que a iniciativa 7.ª à 5.ª se propõe introduzir alguns elementos adicionais de comunicação sobre o tema, os filmes e os autores das obras em exibição ao longo das próximas quatro semanas.

A própria aceitação que esta iniciativa tem tido encorajam a progressiva introdução de formas distintas de comunicação com o público. Uma semente que se quer plantar no seio dos cinéfilos alcobacense para que no futuro floresça a reflexão e o debate em torno do cinema. Estamos todos de parabéns. Siga o filme! Siga o cinema!
a.g. - m.d.